quinta-feira, 27 de março de 2008

História da Fundação do G.R.E.S.V. Ociosos de Gericinó

Para contar a história da Ociosos de Gericinó, é importante voltarmos ao início do século XX. Diante de um projeto de "europeização" dos hábitos e costumes do povo brasileiro, os quintais foram verdadeiros quilombos, permitindo que os traços culturais africanos fossem transmitidos e reinterpretados pelas novas gerações. Foi pisando forte sobre o chão de terra batida, levantando poeira, que os sambistas pioneiros construíram nossa riqueza cultural. Ao som dos instrumentos de percussão, sambistas e ácaros dançavam nestas empoeiradas rodas de samba. Sendo assim, nada mais justo que dar o destaque que o ácaro merece na história do samba, na vida do subúrbio carioca. Ao nosso redor, esta minúscula criatura é quase onipresente, e sua importância pode ser atestada pelo bairro carioca de Acari, que, segundo alguns conceituados pesquisadores, seria uma corruptela de "ácaro alí". Se tomarmos como exemplo os demais símbolos das escolas de samba, algumas perguntas são importantes: alguém já viu águia sambar? Roda de samba com leão? Algum tigre como passista? Condor tocando tamborim? Certamente não, mas não há como negar que em todas as rodas de samba tem um animado ácaro brincando nas nuvens de poeira. Não pretendemos, que fique clara esta ressalva, desmerecer a importância simbólica que estes animais possuem para suas agremiações. Apenas queremos que o ácaro tenha o destaque que merece na história do samba e do carnaval carioca.

Apesar da perseguição das elites, os sambistas resistiram. Em suas peles negras, traziam as marcas roxas da violência policial, servindo de inspiração para nossa bandeira. Os primeiros sambistas eram ociosos, mas não por opção. Viviam a injusta contradição de serem chamados de vagabundos pela mesma sociedade que os negavam trabalho. Eram preteridos nas disputas por emprego, tinham sua qualificação profissional limitada pela elite do período, que depois usava esta mesma limitação para justificar a repressão. Ociosos pelas contingências sociais, fizeram da malandragem uma arma para a própria sobrevivência. Que fique para a posteridade que a ociosidade nem sempre é uma opção pessoal, sobretudo quando afeta uma parcela significativa de uma sociedade, como no Rio de Janeiro dos primeiros anos do século XX.

Décadas mais tarde, numa noite qualquer de verão, cinco amigos se perderam na zona oeste do Rio de Janeiro, mais precisamente no aprazível bairro carioca de Gericinó. Seguiam numa Kombi para Santa Cruz, haviam acabado de pegar um dos amigos em Bangu, mas se perderam num tortuoso caminho entre o lixão e o presídio. Determinados a saírem daquele local, seguiam dando voltas para encontrar o acesso à avenida Brasil, mas as tentativas se mostravam inúteis. Antes de se entregarem ao pânico, avistaram um senhor alto, de cabelos e cavanhaque grisalhos. Atrás de uma pesada armação de óculos preta, um dos seus olhos apresentava um ligeiro problema. Em seu rosto, as rugas do tempo e a barba mal feita dividiam espaço com um "band-aid" prestes a descolar. O ancião, simpático, explicou o que os amigos deveriam fazer para sair do local, deixando por fim um pedido: "vocês precisam resgatar a irreverência do samba, fazer da alegria novamente a essência do carnaval". Após a providencial ajuda, o velho seguiu seu solitário caminho até desaparecer na noite, mas os amigos jamais esqueceram aquele encontro casual.

No dia primeiro de agosto de 2005, esses amigos compuseram uma junta administrativa e fundaram o G.R.E.S.V. Ociosos de Gericinó, cumprindo o pedido daquele prestativo senhor e, como questão de justiça, resgatando alguns símbolos esquecidos dos primeiros sambistas. No momento que as escolas de samba reais se tornam cada vez mais pasteurizadas, com enredos reduzidos a meros panfletos de marketing ou guias turísticos, firmamos um compromisso de valorizar a irreverência, a alegria e o bom humor. Se as pistas de desfiles reais estão cada vez mais chatas e sem graça, o riso precisa encontrar outro espaço para se manifestar. Cada um utiliza as armas que dispõe para defender seus interesses. Hoje, assim como os antigos quintais, nosso computador é um quilombo de resistência. Ao invés da polícia, fincamos nossas barricadas contra a chatice, a caretice e a mesmice. Aqui, somos livres para rir. VIVA A IRREVERÊNCIA !

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